Nascida e criada em Setúbal é no hospital desta cidade que a Enfª Joana nos recebe de braços abertos e um sorriso cativante. Durante a quase uma hora que conversámos, conseguimos sentir em cada palavra, o orgulho que sente na profissão que escolheu no início da sua adolescência. Conta-nos como desde cedo sentiu que o seu caminho teria de passar por ajudar o outro em momentos de maior vulnerabilidade e que viu na enfermagem uma forma de o fazer.
O percurso na profissão inicia-se em Castelo Branco, quando ingressa na Escola Superior de Enfermagem Doutor Lopes Dias e, apesar da crença inicial de que o seu caminho passaria pela pediatria, quis o destino que fosse na parte da cirurgia e no apoio ao doente adulto, que encontrasse o seu lugar: acho que estava destinada a vir para a cirurgia porque no dia em que vim ao hospital fazer a minha entrevista cruzei-me com uma médica que tinha operado a minha mãe e enquanto falávamos a Enfermeira Diretora viu-nos e ouviu-nos e apesar de ter a ideia inicial de me colocar no serviço de medicina, eu pedi para ir para cirurgia e foi onde fui colocada.
Logo no início da carreira, em 2003, junta-se aos grupos informais de Enfermeiras que abordavam e se dedicavam a diferentes temáticas e é aqui que tem contato com a Ostomia, uma área que lhe desperta desde logo interesse não só pelo facto de sentir que esta era uma área onde poucas pessoas investiam e que por isso havia uma lacuna de conhecimento, mas principalmente por sentir que era uma área onde efetivamente iria conseguir fazer a diferença na vida das pessoas. Inicialmente, o apoio ao doente ostomizado começa por ser informal, fora dos horários da consulta, mas o incentivo e o envolvimento por parte das restantes colegas foram ajudando a que o gosto pela área fosse crescendo. De tal forma, que quando se vê sozinha, sente que é o momento de agarrar a oportunidade de ficar com a Consulta de Enfermagem: houve uma saída repentina das colegas e então eu vinha nas minhas folgas fazer a minha integração nas consultas. Foi um pouco por teimosia porque não queria que se perdesse esse apoio que tínhamos ao doente.
Estávamos em 2005. Olhando para estas duas décadas, conta-nos que sente que entrou na Estomaterapia numa altura chave, quando é criada a APECE, e de que a criação da associação foi essencial para a evolução da Estomaterapia em Portugal, entre outros porque permitia que as pessoas se juntassem anualmente para debater os desafios da área. Entre eles, uma acentuada falta de recursos humanos, comprometia a resposta às consultas: nós tínhamos um compromisso com as pessoas e não podíamos quebrar as suas expetativas. Vinha muitas vezes fora do meu horário de trabalho ver os doentes porque as pessoas não podem ser abandonadas.
Apesar de este compromisso com a necessidade de acompanhamento do doente nem sempre ser entendido pelas hierarquias e pela estrutura hospitalar, não desiste. Pelo contrário, investe no seu conhecimento, acabando por tirar o mestrado na especialidade, obtendo o conhecimento necessário para desenvolver e implementar um projeto estruturado que pudesse espelhar e responder às necessidades destes doentes. É assim que em 2015 consegue formalizar e implementar a consulta a nível hospitalar pré e pós-operatória.
Conta-nos que com o trabalho que tem sido feito nas últimas duas décadas, com o surgimento de normas da DGS e a existência dos centros de referência colorretal, forma-se um panorama político e organizacional que acaba por dar maior visibilidade a esta área. No entanto, isto não faz com que deixe de existir preconceito. Principalmente, pela sociedade: ainda há um longo caminho para percorrer, porque as pessoas na generalidade não sabem o que é a estomaterapia ou uma ostomia, eu sinto isso nas minhas relações pessoais quando tento explicar o que faço. Sente por isso, que é preciso falar mais abertamente sobre o tema, trazer as pessoas para partilharem as suas experiências, em grupos de ajuda ou através de uma associação, para que saibam que não estão sozinhas e de que é possível continuar e ter qualidade de vida. Até porque, diz-nos, o perfil do doente também se alterou, não só há cada vez mais, mas também são cada vez mais novos e com preocupações sociais e relacionais diferentes. Mas o preconceito também vem de dentro, dos enfermeiros que, pelo desconhecimento, acabam por evitar e afastar-se desta especialidade: era importante existirem apoios à formação nesta área para que pudessem existir mais projetos implementados e existisse mais equidade no acesso aos cuidados. Mas infelizmente sabemos que esta nem sempre é uma área prioritária.
Passando das competências técnicas para as humanas, diz-nos que esta é uma área em que cada caso é realmente único e que a diferença que é possível fazer na vida das pessoas, começa por saber ouvir. Ter a paciência e a sabedoria para ouvir e compreender o doente e saber como chegar até ele. Explica-nos que aplicar um modelo de cuidados centrado na pessoa é um dos grandes desafios: é preciso ouvir as pessoas para poder ajudá-las a adaptar-se e a vivenciar esta transição para uma nova vida. Para compreendermos melhor conta-nos a história de um doente que apareceu no serviço durante as suas férias, o qual se recusou durante dias a aprender a fazer o autocuidado, e em como em alguns minutos conseguiu convencê-lo e ensiná-lo: estive uma hora a ouvi-lo, a perceber do que gostava, como era o seu dia-dia, isto durante cinquenta minutos, nos últimos dez ele já estava a mudar o dispositivo sozinho. Saber comunicar, ter disponibilidade, saber chegar ao outro e desconstruir ideias pré-feitas são essenciais para ajudar o doente com ostomia. 
E também, sublinha, o trabalho de equipa. Neste ponto refere não só a importância da enfermeira com quem trabalha na consulta e da forma como se motivam mutuamente, mas também que para prestar cuidados efetivos aos doentes é essencial existir complementaridade entre as equipas e que isso é algo que também tem evoluído já que atualmente sente que já não existe a renitência de outrora quando aborda determinada situação. E é tudo isto que faz com que seja possível realmente sentir que faz a diferença na vida do doente, o que lhe tem sido retribuído ao longo dos anos com carinho e reconhecimento genuíno: esta era uma área que era tão abandonada e olhar agora e ver que conseguimos construir algo para as pessoas é muito gratificante.
Recentemente chamada a fazer parte dos órgãos sociais da APECE diz-nos que é com muito sentido de responsabilidade e humildade que vai procurar dar o seu contributo pois tem um respeito imenso pelo legado que foi deixado pelas enfermeiras que têm marcado a história da Estomaterapia em Portugal. Diz-nos, a propósito, que essa é uma das características do seu percurso, o procurar sempre fazer o melhor possível, com sentido ético e respeitando aqueles que nos diz, foram autênticos gurus na sua vida. Quando lhe perguntamos se sente que já é também uma referência para as novas gerações responde sem rodeios: sim eu sinto isso com os colegas que vêm fazer estágio e que me dizem que eu lhes abri o gosto por esta área e são agradecidos por isso. Mas eu faço sempre questão de lhes mostrar que aqui estamos todos a aprender, eles comigo e eu com eles.
Antes de nos despedirmos, perguntamos-lhe, se a encontrasse, o que diria à Joana adolescente que está prestes a escolher o seu caminho: dizia-lhe que não desistisse. Que fosse sempre lutadora e resiliente.
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