Profissional de Saúde reformada, Fátima Monteiro tem agora 72 anos e uma colostomia desde 2012.
A história de Fátima começa com o aparecimento de um sintoma muito comum: uma pequena hemorragia numa ida banal à casa de banho. Não ignorou o que viu e marcou logo uma consulta. Sem grandes revelações, adiantaram que seria uma hemorróida. Posto isto, desvalorizou a situação.
Mais tarde, o episódio repetiu-se e Fátima tomou as medidas que pôde, dentro do hospital e dos seus conhecimentos, para conseguir que a observassem com mais atenção. Fez, finalmente, uma colonoscopia. «Há aqui qualquer coisa, mas nada de grave. Daqui a um ano, repetimos.», disseram-lhe.
Repetiu a colonoscopia e a conclusão foi semelhante: «mais meio ano e voltamos a repetir porque convém vigiar».
No fim de 2011, apareceu sangue nas fezes e Fátima marcou nova consulta. Conseguiu marcar para o início do ano seguinte. Nessa altura, o médico mostrou-se mais alarmado, dizendo que era tudo para ontem e que tinham de perceber o que se passava.
Como trabalhava há 33 anos na Cirurgia, no Hospital de St.º António dos Capuchos, em Lisboa, e conhecia o cirurgião, conseguiu logo fazer uma TAC e nova colonoscopia. Aqui, foi informada: teria de ser submetida a uma cirurgia.
No meio de tanta informação, Fátima não processou, de imediato, o nome do médico para o qual teria sido encaminhada. Só se apercebeu, mais tarde, de que se tratava de um profissional relacionado com doença colorretal. Era cancro. «E nesse momento, sim, gelei e o teto caiu-me em cima».
Ainda ponderaram transplante de canal anal, mas rapidamente concluiram que não havia nada a fazer. Não meteu baixa, mas pôs férias porque acreditava que ia morrer na cirurgia.
Faltava cerca de uma semana para a cirurgia e Fátima não evacuava há 22 dias. Continuou a trabalhar e chegou a fazer um turno de 24 horas. Com a barriga inchada, pesada e desconfortável, ainda encontrou espaço para comer uma sardinhada antes da operação. «Se morresse, morreria feliz».
Ficou tão abalada com a notícia, que não contou a ninguém. A própria filha, que é médica, só descobriu que a mãe ia ser operada por acidente. Fátima não queria preocupar ninguém e tentava não pensar no que a esperava. Já tinha passado pela morte de um filho e não queria adicionar tristeza à vida da filha. «Até hoje, a minha filha não me perdoa».
Passou por tudo sozinha, sem o particular apoio de ninguém, a não ser de alguns colegas. O facto de trabalhar no hospital ajudou muito. Recorda o apoio da Enf.ª Dulce Catanho no que diz respeito aos cuidados com a ostomia, mas quis ficar autónoma desde cedo. Como trabalhava na Cirurgia, estava já familiarizada com estes cuidados e, rapidamente, começou a tratar de si sem auxílio.
Nada mudou além da alimentação. Figos e fisalis, que deixou de comer, são os alimentos de que sente mais saudades.
Socialmente, tudo se mantém igual e continua a viajar, de avião, inclusive. Foi à Madeira, aos Açores e ao Brasil. Pediu uma declaração ao médico por causa do material da ostomia, mas tudo correu lindamente nos aeroportos. Só do Brasil para Portugal sentiu a necessidade de mostrar a colostomia, para explicar ao comissário de bordo o motivo pelo qual voava com uma tesoura. Durante o voo, nem precisou de ir à casa de banho trocar o saco.
Se pudesse deixar um conselho, seria o de se apostar na autonomia da pessoa ostomizada, sendo fundamental que as próprias realizem os cuidados desde cedo.